Você conhece aquela expressão “como unha e carne”, que usamos quando nos referimos a pessoas que são muito próximas? Pois bem, é dessa forma que podemos definir a relação entre moda e rua.
Esse amor antigo surgiu por volta da década de 60, passou pelos guetos de Nova York anos mais tarde e perdura até os dias de hoje, servindo de inspiração para os estilistas mais badalados e para nós, pessoas (in)comuns, a procura de novidades. Uma onda de liberdade nos anos 60 mudou para sempre a relação dos jovens com a moda. Influenciados pelas obras do movimento Beat, a juventude passou a trocar os bares e pubs dos anos 50 pelas ruas e uma nova consciência de consumo começou a surgir.
O mercado, sempre atento às grandes mudanças, passou a produzir roupas diretamente para o público mais novo. Foi a primeira vez na história em que o vestuário jovem se desvinculava do adulto. A moda passou a acompanhar a movimentação das ruas – a onda pacífica no final da década – e, principalmente, passou a entender que se vestir estava cada vez mais associado ao comportamento de cada pessoa.
Exemplo de toda a revolução sessentista das ruas: a mini saia. A peça até hoje é enxergada como símbolo de contestação e empoderamento.
Outro acontecimento importante na época, que consolidou de vez a relação moda e rua, foi a abertura da loja de Yves Saint Laurent, na Rive Gauche (margem esquerda do rio Sena-Paris, região marcada por forte cena boêmia e frequência de intelectuais). Até então, tal estilista se comunicava apenas com a parte burguesa e conservadora da cidade, de forma que, ao propor um diálogo com uma moda mais popular, consagrou-se de vez como artista, criando o icônico vestido Mondrian e propondo o smoking como peça do vestuário feminino.
Na década seguinte, o cenário muda e temos Nova York dividida em cinco bairros e uma grande repressão da classe trabalhadora que vivia nos guetos. Como forma de resistência, cada uma das regiões afetadas (Brooklyn, Harlem, Bronx) encontrou na forma de vestir uma identidade que as diferenciava do restante da sociedade. Junto a esse empoderamento através do estilo, surgiam as primeiras batalhas de rap, o break dance e toda a cultura negra que veio a se tornar o hip hop.
O clássico estilo das ruas em 1983. Foto: Jamel Shabazz
Os anos 80 vieram para consolidar esse movimento. Grupos como RUN-DMC passaram a fazer sucesso nas rádios, com suas letras que cultuavam modelos de tênis Adidas e outras marcas de luxo da época. Nesse momento, surgia a forte relação entre a publicidade e a música, o que afetou a moda. Dali em diante, as grandes grifes passaram a ser indiretamente difundidas por artistas negros e de origens humildes.
Esse fato, consequentemente, revolucionou o perfil do público consumidor e democratizou o status que suas peças transmitiam. Além disso, a cultura hip hop foi pioneira na parceria entre marcas esportivas conceituadas e não atletas.
Ao longo dos anos que se passaram, a rua ficou entendida como local de revolução e contestação. A roupa, símbolo do tempo em que está inserida, se tornou a armadura para quem ali estivesse. O hip hop abriu espaço para que, nos anos 90, outras culturas chegassem ao asfalto e falassem sobre seu ponto de vista.
Chanel Verão 2015 levou, literalmente, as ruas para a passarela. Foto: IMAXtree
Com a internet acessível para as massas, variados estilos e perfis que se encontravam nas ruas começaram finalmente a se misturar. Uma pessoa que, antes, pertencia a um único movimento, hoje leva consigo referências de diferentes culturas, gostos e locais.
A moda de rua, que agora chamamos de Street Style, ganhou espaço no universo fashion, adentrou as passarelas, inundou os blogs e afirmou em alto e bom tom que veio para ficar.
Onde a moda encontra a rua, uma revolução acontece.
Elisa Santiago é estudante de Design de Moda e uma eterna amante das ruas e das artes. Acredita na roupa como elemento de fala e empoderamento. É quem está por trás do @tens_razão.