Você sabe o que deve fazer quando o seu voo atrasa, por culpa da companhia aérea, fazendo com que você perca o voo seguinte? Para explicar quais são os seus direitos em casos assim, vou usar como exemplo minha experiência em um voo de volta para o Brasil.
Imagine a situação. Após uns dias de férias nos Estados Unidos, eu embarquei no voo de volta para o Brasil, com destino a Brasília, e uma escala em São Paulo.
Por conta da escala, eu precisava retirar as bagagens em São Paulo e depois despachá-las para Brasília no guichê da companhia aérea, como é de praxe.
O voo chegou em São Paulo às 5:40 da manhã, no horário previsto. Acontece que o embarque para Brasília era às 7:20. Apertado, né? Esse foi o problema!
Quem já foi a Miami, sabe muito bem em que condições a esteira de bagagens fica. Lotadaaaaa! São malas a perder de vista. Com tanta bagagem assim, demorei mais de uma hora para receber a minha!
Após pegar minha mala, por volta das 6:50 da manhã, saí correndo para embarcar no voo para Brasília. Mas acabei perdendo o voo porque o embarque havia encerrado.
Bastante chateada com a demora absurda da bagagem, questionei o motivo pelo qual a companhia aérea oferecia a compra conjunta de tais voos, se era sabido que, com a demora da entrega de malas provenientes do voo internacional (Miami!!!), não haveria tempo suficiente para embarcar no voo contratado para o destino final.
O atendente informou que o espaço de tempo entre os voos era suficiente para que os passageiros recolhessem suas bagagens no desembarque internacional e as despachassem no voo seguinte, sendo que em raras ocasiões, por demora na entrega das bagagens, alguns passageiros acabavam por perder os voos subsequentes.
O fato é que a companhia aérea realizou minha reacomodação no voo que partiria às 12:55.
Por conta da demora na entrega de bagagens, que caracteriza falha na prestação do serviço – fiquei esperando quase 6 horas no Aeroporto de Guarulhos, sem qualquer auxílio material por parte da companhia.
Pode isso? Claro que não!
A relação entre a companhia aérea, fornecedora de serviços, e os passageiros caracteriza-se como de consumo, motivo pela qual as normas que regem essa relação são as que estão previstas no Código de Defesa do Consumidor.
A demora injustificável na entrega das bagagens oriundas do voo internacional e a consequente perda do voo seguinte para o destino final, bem como a falta de assistência material da companhia aérea, especialmente no tocante à alimentação e ao oferecimento de local adequado para espera, que não foram prestados em qualquer momento, configuram falha na prestação do serviço e causam danos morais aos passageiros.
Como é sabido, voos em aeronaves acabam por causar desgaste físico aos passageiros, que quando optam por realizar viagens internacionais procuram voos com a menor duração, pois quanto menor a duração do percurso, menor o desgaste sofrido pelos passageiros.
Nesse sentido, é nítido que voos internacionais demandam maior desgaste físico para os passageiros que os contratam, sendo forçoso reconhecer que tais passageiros anseiam pela sua chegada ao destino final da forma mais rápida e menos cansativa ou, pelo menos, no horário contratado.
A transferência injustificável de voos causada pela companhia e a consequente espera por quase 6 (seis) horas, sem qualquer auxílio por parte da companhia aérea, não configuram mero dissabor ou constrangimento do dia-a-dia, mas agressão à saúde física (falta de alimentação) e moral (falta de assistência e falha injustificável na prestação do serviço), que, transcendendo à normalidade dos acontecimentos, ofende a dignidade dos passageiros.
Na época desses fatos, ajuizei uma ação de indenização por danos materiais e morais, com base no Código de Defesa do Consumidor e na Resolução 141/2010 da Agência Nacional da Aviação Civil (ANAC).
Em 14 de março, essa resolução foi revogada, mas os direitos dos consumidores, pelo menos nesse ponto, continuam os mesmos.
A Resolução nº 400/2016 da ANAC, que revogou as regras anteriores, previstas na Resolução 141/2010, atualmente dispõe sobre as obrigações das companhias aéreas, nos seguintes termos:
Do Atraso, Cancelamento, Interrupção do Serviço e Preterição
Art. 21. O transportador deverá oferecer as alternativas de reacomodação, reembolso e execução do serviço por outra modalidade de transporte, devendo a escolha ser do passageiro, nos seguintes casos:
I – atraso de voo por mais de quatro horas em relação ao horário originalmente contratado;
II – cancelamento de voo ou interrupção do serviço;
III – preterição de passageiro; e
IV – perda de voo subsequente pelo passageiro, nos voos com conexão, inclusive nos casos de troca de aeroportos, quando a causa da perda for do transportador.
Parágrafo único. As alternativas previstas no caput deste artigo deverão ser imediatamente oferecidas aos passageiros quando o transportador dispuser antecipadamente da informação de que o voo atrasará mais de 4 (quatro) horas em relação ao horário originalmente contratado.
Da Assistência Material
Art. 26. A assistência material ao passageiro deve ser oferecida nos seguintes casos:
I – atraso do voo;
II – cancelamento do voo;
III – interrupção de serviço; ou
IV – preterição de passageiro.
Art. 27. A assistência material consiste em satisfazer as necessidades do passageiro e deverá ser oferecida gratuitamente pelo transportador, conforme o tempo de espera, ainda que os passageiros estejam a bordo da aeronave com portas abertas, nos seguintes termos:
I – superior a 1 (uma) hora: facilidades de comunicação;
II – superior a 2 (duas) horas: alimentação, de acordo com o horário, por meio do fornecimento de refeição ou de voucher individual; e
III – superior a 4 (quatro) horas: serviço de hospedagem, em caso de pernoite, e traslado de ida e volta.
- 1o O transportador poderá deixar de oferecer serviço de hospedagem para o passageiro que residir na localidade do aeroporto de origem, garantido o traslado de ida e volta.
- 2o No caso de Passageiro com Necessidade de Assistência Especial – PNAE e de seus acompanhantes, nos termos da Resolução no 280, de 2013, a assistência prevista no inciso III do caput deste artigo deverá ser fornecida independentemente da exigência de pernoite, salvo se puder ser substituída por acomodação em local que atenda suas necessidades e com concordância do passageiro ou acompanhante.
- 3o O transportador poderá deixar de oferecer assistência material quando o passageiro optar pela reacomodação em voo próprio do transportador a ser realizado em data e horário de conveniência do passageiro ou pelo reembolso integral da passagem aérea.
Sobre esses fatos, já caminhou a jurisprudência dos tribunais no sentido da reparação de passageiros que foram submetidos à longas esperas em aeroportos por culpa exclusiva de empresas aéreas:
JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS. CONSUMIDOR. ATRASO DE VOO E PERDA DE CONEXÃO. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. INDENIZAÇÃO CABÍVEL. VALOR RAZOÁVEL E PROPORCIONAL. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. SENTENÇA MANTIDA.
- Se o atraso do vôo internacional ocasiona a perda da conexão para outro vôo, configura-se falha na prestação do serviço, devendo a companhia aérea compor os prejuízos experimentados pelo consumidor, diante da responsabilidade objetiva oriunda do fato do serviço, nos termos do artigo 14, CDC.
- Na seara da fixação do valor da indenização devida, mister levar em consideração a gravidade do dano, além do porte econômico da lesante. Também não se pode deixar de lado a função pedagógica-reparadora do dano moral consubstanciada em impingir a ré uma sanção bastante a fim de que não retorne a praticar os mesmos atos.
- In casu, mostra-se adequada e proporcional à extensão do dano a fixação da condenação em R$2.000,00 (dois mil reais). (Acórdão n.756037, 20130111145727ACJ, Relator: CARLOS ALBERTO MARTINS FILHO, 3ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, Data de Julgamento: 28/01/2014, Publicado no DJE: 03/02/2014. Pág.: 1287)
Importante destacar que em nenhum momento causei a perda do embarque no voo subsequente. Pelo contrário, quem deu causa ao atraso no voo e à perda do voo subsequente foi a própria companhia aérea, ao estabelecer um período demasiado curto para recolher as bagagens.
Fiquei esperando minhas malas serem entregues na esteira por mais de uma hora, sendo certo que a falha na prestação do referido serviço por parte da companhia aérea, responsável por retirar as bagagens do avião e colocar na esteira, acabou ocasionando os transtornos mencionados.
Por isso, nesses casos a indenização por danos morais é devida pela companhia aérea. No que diz respeito ao arbitramento do valor, devem ser observados pelo juiz critérios de proporcionalidade e razoabilidade, levando-se em conta as condições econômicas das partes envolvidas, a natureza e a extensão do dano.
É certo que a compensação não pode ser tão grande a ponto de traduzir enriquecimento ilícito. Lado outro, não deve ser ínfima ao ponto de servir de justa causa para legitimar a falha na prestação do serviço, uma vez que, caso assim ocorra, pode ser mais vantajoso para a companhia aérea indenizar moralmente passageiros lesados do que lhes oferecer a assistência que o regulamento da ANAC prevê.
Deve-se levar em consideração, ainda, o caráter pedagógico e repressivo da indenização, a fim de que a companhia se organize de forma a prestar os serviços que oferece de forma integral, não submetendo futuros passageiros a mesma situação.
E você, já teve algum problema com a companhia aérea? Como foi resolvido? Conte a sua história, pois compartilhando informações sobre nossos direitos seremos cada vez mais respeitados no mercado de consumo!
Bianca Cobucci é Defensora Pública, Mestre em Políticas Públicas e coordenadora do Projeto Falando Direito; Autora do blog Teoria da Viagem. Escreve sobre os direitos do consumidor relacionados à viagem e turismo, bem como sobre os países e lugares que já que visitou.