Fresca? Não! Bem criada.

Tag: Reflexão

16
dez

2016 – A moda em transição

O ano está chegando ao fim e dizer que ele foi tranquilo seria uma afirmação bem distante da realidade. Dois mil e dezesseis foi marcado por transições, inquietações e sem dúvida alguma, confusões.

Fazendo seu papel de espelho da sociedade, a moda também acompanhou o ritmo e viveu momentos calorosos nesses trezentos e muitos dias que já se passaram.

Dessa forma, vamos aproveitar o clima nostálgico de final de ano e relembrar o que marcou esses 12 meses nas passarelas e nas ruas. Desde as mudanças no cenário da área até as tendências que fizeram a cabeça (e os pés) dos fashionistas.

O falecimento de David Bowie (16 de Janeiro)bownie

Logo nas primeiras semanas de 2016, o mundo acordou com a triste notícia da morte do cantor, ator e estrela David Bowie. Já doente o artista lançou seu último álbum, Blackstar, que mais pareceu um anúncio antecipado de sua ida para o lado dos imortais.
Bowie foi para a moda mais do que um ícone, ele atravessou as barreiras de gênero muito antes de ser um tópico em discussão, realizou parcerias com estilistas, fez de suas apresentações performances teatrais e sempre nos impressionou com a sua capacidade camaleônica de mudar e se renovar.

No gender em evidência2016Pegando carona no questionamento lançado por Bowie na década de setenta, o debate a respeito do gênero ou da ausência dele se fez novamente atual durante o ano.

O tema que antes era diálogo apenas na vanguarda e no underground, toma voz e nos convida a repensar a maneira como respeitamos as escolhas e a essência de cada indivíduo.

Artistas como Liniker e Jaloo entram em cena com sua voz e estilo que pouco se apegam aos conceitos de masculino e feminino.

Nas passarelas o casting formado por modelos transexuais assumiu o protagonismo da coleção do estilista Ronaldo Fraga, além de marcas que vêm apostando numa moda unissex e distante dos padrões, como é o caso da LED, do mineiro Célio Dias.
SPFWTRANS N42eidaO São Paulo Fashion Week que aconteceu em outubro marcou um momento de significativas alterações no cenário da moda brasileira. Trazendo o prefixo trans em seu título, o evento abordou uma nova roupagem para sua 42ª edição e sugeriu a moda que transgredisse, transitasse e se transformasse.

A nova programação contou com a adoção do conceito de see now, buy now (que você já leu por aqui), exposições que exibiam parcerias entre estilistas e fotógrafos, além de desfiles questionadores e cheios de representatividade como o da marca Lab Fantasma, do cantor Emicida e seu irmão Evandro Fiotti, que trouxeram às passarelas os mais variados corpos e cores.

A vez dos flat formsflats

Não tem jeito de falarmos de tendências sem citar a que mais se popularizou esse ano: as flat forms. Numa vibe que prioriza o conforto e a praticidade, o salto alto perde espaço para um calçado mais resistente, saudável e preparado para nos acompanhar no dia a dia.

Os flats logo caíram no gosto popular e diversas marcas aderiram o estilo prático de se calçar. Melissa, Arezzo e até mesmo a Schutz entraram na onda e lançaram os mais variados modelos.

A ascensão do conforto nos pés reflete não só uma mudança de hábito, mas também diz muito sobre o momento que vivemos, no qual o sportwear noventista ganha força e o feminismo se torna pauta de discussões diárias.

Elisa Santiago é estudante de Design de Moda e uma eterna amante das ruas e das artes. Acredita na roupa como elemento de fala e empoderamento. É quem está por trás do @tens_razão.

 

 

30
nov

See now, buy now – novas formas de consumir moda

A última edição do São Paulo Fashion Week acabou de acontecer no final do mês de outubro e trouxe com ela algumas novidades para o país que podem mudar de maneira significativa os rumos da indústria da moda. Uma dessas novidades é a consolidação do conceito de see now, buy now.

Para quem ainda não sabe o que é isso, a explicação é simples. No mundo globalizado em que vivemos, as informações chegam e vão embora com muita fugacidade, dessa maneira também criamos e descartamos desejos de consumo. O que em um mês é tendência e ansiamos mais do que tudo, no seguinte já é substituído por outro produto.

De olho nessa vontade incessante dos consumidores, surge no mercado um novo jeito de se comprar moda: o see now, buy now (em bom português: veja agora, compre agora). Diversas marcas ao redor do mundo passam então a desfilar coleções que poucas horas após o desfile, entram à venda em lojas físicas ou online. Tudo isso afim de suprir a vontade imediata que sentimos de informações (sejam elas de moda ou a área que for) e compras.
1Karl Lagerfeld para Riachuelo – peças foram comercializadas na passarela, logo após o defile. Foto: Rafael Chacon

Num lugar onde somos bombardeados todo o tempo com marcas incríveis, campanhas bem elaboradas e propagandas inusitadamente sedutoras, é praticamente impossível não despertar aquela vontade de ter para si as tendências do momento. Porém, pensando no outro lado da moeda, é preciso fazer uma pausa para refletir sobre o que o sucesso de iniciativas como essas querem dizer sobre nós, enquanto consumidores.

Um dos pontos mais interessantes dessa questão começa com a profundidade das mercadorias lançadas. Devido ao imediatismo de vendas, marcas passarão a produzir com maior intensidade, ou seja, designers e criadores passarão a fazer roupas para o agora. E o questionamento que permanece é: Será possível transformar o momento presente em coleções tão profundas quanto fazemos com as tendências futuras?

Para processarmos os impactos e efeitos de uma informação de moda e de fato deseja-la, levamos determinado espaço de tempo. Vender a ideia do on time faz com que desfiles passem a ter uma abordagem mais mastigada e de entendimento fácil, além de styling mais comercial, muitas vezes dialogando pouco com conceitos e valores das próprias marcas.2Animale no último SPFW – marca transmitiu desfile ao vivo pela internet e deu início as vendas logo após o evento. Foto: Zé Takahashi

Outro ponto dessa discussão é a relação entre o see now, buy now com produtores e designers que confeccionam suas mercadorias de maneira artesanal, seguindo a ideia do handmade. Para eles é praticamente inviável acompanhar essa mudança do mercado, já que seu modo de produção segue uma linha mais slow. Dessa maneira a competição entre marcas que adotam as novas medidas e as que ainda mantém uma pequena confecção, torna-se muitas vezes complicada.

Com a mesma velocidade que a moda circula, as opiniões também acontecem. Por isso, inúmeras vezes o consumidor se vê confuso em relação aos acontecimentos e fica difícil decidir qual a forma mais justa de se adquirir um produto. Ao comprar uma mercadoria está em jogo não só a tendência imprimida ali, mas também as crenças de uma marca, a mensagem por trás daquele estilo, a sustentabilidade e inúmeras outras questões que estão em ascensão no cotidiano.

O que não devemos deixar de fazer é questionar. Abrir o diálogo sobre os modos de consumo que tanto estamos acostumados é necessário e estar disposto a muda-los ou entende-los é uma bela maneira de transgredir.

O conceito de see now, buy now possui inúmeros lados e é um assunto riquíssimo para se conversar com as pessoas ao redor. A moda em toda sua magnitude, propõe transições, reflete o presente e se lança no futuro, mas o protagonismo dela, quem faz somos nós. Devemos sempre nos lembrar disso e nos conceder a privilégio de pensar sobre ela. Pense sobre a moda você também!

Elisa Santiago é estudante de Design de Moda e uma eterna amante das ruas e das artes. Acredita na roupa como elemento de fala e empoderamento. É quem está por trás do @tens_razão.

18
set

Sobre Olimpíadas e amigos para sempre (para meus amigos desde sempre)

We share memories
I won’t forget
And we’ll share more,
My friend,
We haven’t started yet
Something happens
When we’re together

(trecho de “Amigos para Siempre”)friends

Dia desses fui escrever um cartãozinho de aniversário e, nesses sustos que o dia-a-dia gosta de nos pregar, me dei conta de que a aniversariante e eu somos amigas há mais de 20 anos. Uns dias se passaram e eu, fazendo novas contas, me peguei calculando há quanto tempo tenho cada uma das minhas amizades.  Não todas, obviamente. Fui ali por uma média de amostragem mesmo e me surpreendi por ter algumas amigas há mais de 25 anos. Agora guardem essa informação, e vamos em frente que vou mudar de assunto.

Antes de mais nada, queria dizer que AMEI a abertura (e o encerramento das nossas Olimpíadas). Me orgulhei, me emocionei, ri muito dos brócolis dançantes e chorei um monte com o hino nacional e outras passagens… Veja bem, não quero desmerecer em nada nosso evento. Porém, nossa abertura me lembrou outra. É que, pelos idos de 1992, quando, provavelmente, alguns leitores deste blog nem eram nascidos, mas eu e minha memória de elefante já habitávamos BH, aconteceram as Olimpíadas de Barcelona.

Pela primeira vez, eu consegui ficar acordada para ver um evento deste tipo e, também pela primeira vez, tive consciência de me emocionar com uma música, sem entender nada da letra. Quer dizer, quase nada, porque “Amigos para siempre”, a frase que pontua o refrão (pois o restante da letra é em inglês) é fácil de entender. Veja bem, se você tem onze anos, a expressão “para sempre” é bem difícil de entender, quantificar, precisar. O que seria para sempre para mim? Nem ideia…

Achei lindo e nunca, mas nunca mesmo, me esqueci da Sarah Brightman e do Jose Carreras naquele dueto. Quem é dessa época, certamente vai lembrar: nenhuma música tocava tanto naquele ano (e acho que deve ser uma música bem recorrente até hoje). Para escrever este post, tive que me informar. Agora, sei que a a música é do Andrew Lloyd Weber, o gênio por trás de “O Fantasma da Ópera”, “Evita” e outros musicais que fazem parte da minha vida. Sei também que esta informação não fez nenhuma diferença até hoje.

A diferença é que, hoje, quase 25 anos depois, tenho amigas e amigos que estão na minha vida desde 1992. Amigos que compartilham minhas memórias, minhas histórias, minha vida. Amigos que me olham (e para quem eu olho) e que me sabem (e que eu sei de volta). Um saber de olhar, de rir, de estar presente na alma mesmo, no coração entranhados. Amigos para sempre, aqueles que estarão conosco mesmo distantes. Aqueles para quem eu sempre volto. Também tenho amigos recém chegados, há seis meses, dois anos, além de umas moças que me incluíram num grupo descontrolado de whatsapp há uns 15 dias, que estão com pinta de que irão ficar comigo até 2077, se eu ainda estiver por essas bandas.

Concluo, portanto, que o “para sempre” pode estar começando hoje, e recomeçando amanhã. Que cada dia é um dia a mais nesse para sempre de cada um. Que o que fica para sempre depende: às vezes é amor, às vezes é saudade, às vezes é tristeza também… Entendo hoje que ser feliz para sempre, ser amigo para sempre, não é amar todo dia intensamente, ser amigo todos os dias, num grude impossível (e indesejável também): o para sempre é o saldo, é a constância, é o resultado de dias vividos e pequenos altos e baixos compartilhados. Para sempre é o inesquecível que, como diria Fernando Pessoa, faz com que o valor das coisas não esteja no tempo que elas duram, mas na intensidade com que acontecem (e nas marcas que nos deixam, ouso completar).

Laura Henriques, mais de 30 anos, leitora por paixão e sonhadora por diversão. Escreve o que está inundando seus pensamentos, transbordando sentimentos.

14
ago

Sobre as pessoas que eu queria ser

Quando eu era criança (aliás, quando qualquer um de nós erámos crianças), a pergunta mais frequente era: o que você vai ser quando crescer? Para esta pergunta, eu sempre tive duas ou quatro alternativas (e a resposta continua meio imprecisa na minha cabeça até hoje…)

Depois, já adolescente, houve uma época em que a moda era o “cadernos de perguntas”, que funcionavam mais ou menos da seguinte forma: em cada página a gente escrevia uma pergunta (a primeira sendo, invariavelmente, qual é o seu nome?) e as pessoas iam preenchendo as respostas. Via de regra, havia sempre uma pergunta que eu considerava a mais difícil de todas: “se você não fosse você, quem você gostaria de ser?”.

Eu gosto de filosofar. Em jantares com as amigas ou dentro da minha cabeça mesmo. Ultimamente, por circunstâncias que depois eu conto, tenho tido tempo e, com tempo, caraminholas brotam – para o bem e para o mal – na minha cuca. Mas responder que eu gostaria de ser outra pessoa, é uma coisa tão difícil, né? Por que, se eu não fosse eu, será que alguém gostaria de ser eu, no meu lugar?  Porque, vaidosamente, eu gostaria de que o mundo tivesse a Laura nele.

Num mundo muito digitalizado e invasivo, em que temos (ou acreditamos ter) bastante acesso à vida dos outros, fica fácil admirar e “querer ser” outra pessoa. Porém, a verdade é que nunca sabemos o que viria neste pacote completo. Não é o caso de, como no filme “E se eu fosse você”, trocar de corpo e ir parar num corpo estranho, preservando sua alma, personalidade, trejeitos e sonhos. Seria o caso de ser inteiramente outra pessoa, com todas as facilidades que isso implica, mas também com todas as dificuldades que a gente não consegue saber por completo, pra colocar na equação. Ai você pensa: mas nem a Gisele Bündchen? Não, nem a Gisele. Sei lá como é a sogra dela! Se a ex do Tom Brady ou as babás infernizam a vida… se ser uber model incomoda, se ter sempre mil paparazzi na porta de casa é um problema.

Outra possibilidade é se encantar pela obra de alguém e pensar que queria ser a pessoa. Eu sou apaixonada pela Clarice Lispector, acho que ela criou uma obra literária linda, poética, éterea, consistente… Queria ser ela? De jeito nenhum! Clarice teve uma vida super difícil (leiam a biografia, é ótima!), mas, sobretudo, a vida DELA.

No meu pacote, vem uma família maravilhosa, um marido que eu amo demais, amigos que eu acho incríveis e que estão sempre comigo e que, apesar de todos os defeitos, eu amo com todo meu coração… Trocaria o meu pacote pelo de outra pessoa? Nem de olhos fechados, nem de olhos bem abertos, nem se me fosse dada uma degustação de 30 dias.

Vivi momentos difíceis? Sim! Preferiria que eles não tivessem acontecido? Não. Sou a soma dos momentos que vivi, dos livros que li, das conversas que tive, dos desafios que enfrentei, das batalhas que perdi, das guerras que ganhei. Eu e todo mundo, na verdade.

Não que eu não queira melhorar. Sim, eu gostaria de não ter celulites, ser mais magra, mais paciente. Gostaria de não ser tão impulsiva, de não falar tudo o que vem na minha cabeça, de não passar mal quando bebo, de ser mais disciplinada, focada, estudiosa. Gostaria de ser mais vaidosa, mais econômica, mais leve, menos crítica, mas estes são os meus desafios, e eu espero ainda ter muito tempo de vida para aprimorar estes pontos. A idade (não sou tão velha, nem tão nova) nos dá algumas perspectivas: não vou poder ser bailarina profissional, nem astronauta, mas posso ser muitas coisas ainda, viver muitas experiências, conquistas e sonhos.

Entretanto, somando e subtraindo, é muito feliz saber que eu não me trocaria por ninguém. E você? Se pudesse ser outra pessoa, quem você seria?

Laura Henriques, mais de 30 anos, leitora por paixão e sonhadora por diversão. Escreve o que está inundando seus pensamentos, transbordando sentimentos.